Semana passada teve o dia das vacinas. Ao todo foram 07 (mais sobre isso em outro post), e, estranhamente, foi o dia em que mais me caiu a ficha a respeito do tamanho do passo que estou dando. Há algo de profundamente real em ser espetado algumas vezes com vírus bizarros, e ouvir o médico recomendar cautela a fim de não pegar uma certa "encefalite japonesa", ou te falar o que fazer no caso de você ser mordido por um macaco - algo que não pode ser bem sentido só de comprar a passagem pelo site da empresa aérea.
Foi a primeira vez, desde o começo dos meus planos de viagem, em que senti uma espécie de medo, ou uma inquietude, sobre as dificuldades que enfrentarei, apesar de intelectualmente ter uma boa noção do que me espera. E, ao explorar mais as raízes desse sentimento, me peguei a pensar em santuários.
Acho que desde cedo na vida somos incentivados (ou acontece por instinto?) a criar "santuários" na nossa vida, redes de zonas de conforto onde não só nos sentimos seguros, mas onde sabemos como agir, e o que se espera de nós. Neles, sabemos o que será bem recebido e como atingir isso. O primeiro santuário é geralmente nosso próprio lar, que nos coloca "na trilha" dos próximos santuários: a escola, a faculdade, o estágio, o trabalho, etc., até que o conjunto desses santuários se coloca como o caminho que a sociedade espera que você trilhe, e no qual você é considerado um membro "saudável" da manada.
Todos temos sonhos loucos e selvagens com experiências ou caminhos que não estão no "plano", e é sempre tenso colocá-los em prática. É irresponsável. É abrir mão de oportunidades. É não dar valor à carreira. É ser imaturo. E às vezes a gente acaba se convencendo disso, ou pelo menos chegando no "tá, em mais alguns anos, quando tudo estiver estabilizado, terei tempo, dinheiro e vontade pra fazer essas coisas com segurança". E a tragédia é que pra muitos esse tempo nunca chega.
Largar um desses santuários é um passo difícil em qualquer situação - é aceitar o risco, quando somos ensinados a fugir dele. Procurar a dificuldade, quando se passou a vida toda lutando pela facilidade. Abraçar o medo, e todo o desconforto que ele traz, na esperança de colocá-lo em seu lugar. É furar a bolha que criamos ao redor de nós mesmos, e que nos impede de ver o mundo lá fora em toda sua nitidez, em troca de uma sensação de segurança.
E foi esse impacto que eu senti por um momento: o medo de largar todos os meus santuários por um tempo, de correr atrás de algo que nem está assim tão claro, e embarcar em uma experiência que certamente será muitíssimas vezes frustrante, solitária, dolorosa, amendrontadora. E ao mesmo tempo, refletir sobre esse sentimento, pensar nesses santuários e na minha escolha de deixá-los, me deixou ainda mais tranqüilo a respeito disso tudo. Ficou claro pra mim que essa escolha é a primeira, em muito tempo, que nasceu 100% de mim, e está profundamente conectada com quem eu sou e com o que desejo ser. E esse sentimento faz valer a pena qualquer perspectiva de perrengue.
E me lembrei imediatamente de um poema do Pessoa, que, como sempre, já expressou há muito tempo qualquer sentimento possível, e de uma forma muito mais bela do qualquer outro jamais faria:
“Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que
nos levam sempre aos mesmos lugares
É o tempo da travessia
E se não ousarmos fazê-la
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos”
(Fernando Pessoa)
Animal Jorge! Definitivamente o "sabor" de fazer as coisas por convicção e vontade própria. Não há algo que o impeça quando existe esse tipo de motivação. Força e abraço!
ResponderExcluirAs coisas mais legais acontecem quando a gente sai da nossa zona de conforto. Essa é a diferença entre viver e simplesmente existir =) Beijos!
ResponderExcluirPreciso dizer que concordo?
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