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sexta-feira, 5 de julho de 2013

Perrengues, parte 02

Para quem não está vendo em sequência, vejam antes o primeiro post da série Perrengues. Seguem mais alguns!

SABE AQUELA VEZ EM QUE...


3) ... nos deparamos com um pervertido caiçara indiano?

Palolem Beach, Goa, Índia. Um paraíso de belas praias, vacas e boa comida. Conversas preguiçosas como novos amigos sob o luar da madrugada na praia. Assim é a vida em Goa.


A praia é para todos. Mooo.      


O alto fluxo de turistas sazonais neste ex-enclave português no subcontinente indiano obrigou os locais a improvisarem. A maior parte da acomodação disponível em Palolem Beach se dá na forma de pequenos bangalôs de madeira. Por 500 rúpias você aluga um com open-bar de mosquitos e eletricidade intermitente. A beleza natural tem um preço, afinal. Minha querida companheira de viagem Mairê e eu dividimos um desse, e a vida era bela.


Nosso cafofo

Por dentro da intimidade das estrelas


Uma bela noite, como são todas por ali, voltamos para casa por volta das 2h da manhã de mais um sarau noturno à beira-mar. Mairê foi tomar um banho, e a certo momento começou a falar: “Que estranhos esses barulhos, acho que tem um ratinho aqui pelo teto”. Rato na Índia, ok, big news. Segue a vida. Quando chegou a vez do meu banho, ouvi os mesmos barulhos, mas eram muito fortes para serem de um rato, sugerindo um animal pesado. Talvez uma vaca pastando atrás do bangalô? Saí do banho, botei uma roupa, peguei minha lanterna e fui lá fora investigar.


Dei a volta pelo lado do bangalô


Olhei embaixo do bangalô, que é suspenso - nada. Não tinha mais barulho, mas a essa hora eu já estava encafifado: se fosse uma vaca, ela não teria saído dali tão rápido sem um barulho muito maior. Fui dando a volta pela lateral, lentamente. Silêncio e escuridão, exceto pela minha lanterna. Quando cheguei na parte de trás, apontei a lanterna para a parede externa do banheiro e vi... dois pés balançando um metro e meio acima do chão. Em choque, apontei a lanterna para cima e vi que os pés estavam ligados ao um jovem adulto indiano, sem camisa, que se segurava pelos braços na viga superior do bangalô, e cujos olhos arregalados de espanto brilhavam à luz da lanterna.


A criatura estava aí, pendendo em cima do cano.

Nessa hora, entram os instintos criados a ferro em fogo em São Paulo – não sabia quem era, se tinham mais pessoas com ele, se estavam armados, o que queriam. Corri pelo caminho por onde tinha vindo para pegar a Mairê e irmos para um lugar seguro. Quando o caiçara viu que eu corri, se largou no chão com um estrondo e correu loucamente para longe dali pelo meio de uma pilha de folhas, lixo e tábuas de madeira.
O barulho da confusão acordou dois indianos no bangalô ao lado, e então me ajudaram a vasculhar a área. 

O intruso estava se escondendo há um bom tempo nas vigas do teto do nosso bangalô, sem dúvida nenhuma para espionar pelas frestas do banheiro. Certamente ganhou a noite com o banho da Mairê, perdeu metade com o meu, e espero que o susto que dei nele tenha lhe dado pelo menos uma boa lição.




4)  ... peguei um trem à la James Bond na Índia?

Satna, Índia. Ah, os trens na Índia. Páginas e páginas de pequenos perrengues poderiam ser escritas sobre cada pequena viagem neles, que, no entanto, permanecem sendo mais eficaz, barato e autêntico meio de transporte do subcontinente. As viagens são lentas e longas, com paradas em todas as estações, podendo ser tão curtas quanto 5 minutos e tão longas quanto 2 horas, sem que ninguém saiba quanto vai ser na próxima.


Um vagão Sleeper, com "cabines" abertas de 8 leitos cada.


Os trens indianos com leitos (a imensa maioria) têm usualmente 5 classes: AC1, AC2, AC3, Sleeper e 2nd Class. As classes AC têm ar-condicionado e conforto progressivamente maior da AC3 até a AC1, confortos esses que vão de ter colcha, travesseiro e lençol no leito, a ter apenas duas pessoas por “cabine” e refeições inclusas. Cada classe custa umas 3 vezes mais que a imediatamente anterior. Nunca viajei acima da classe AC3, e, como bons mochileiros, eu e Mairê sempre viajávamos de Sleeper, que é como a maior parte dos indianos viajam longas distâncias. Vagões Sleeper são normalmente sujos, infinitamente quentes e sempre lotados. Maravilha.


Uma pessoa por leito? Reveja seus paradigmas.


Então, no longo e tortuoso caminho entre Satna (a estação mais próxima de Khajuraho) e Mumbai, o trem parou. Desci, como sempre fazia, para comprar água e mantimentos. Apontei o que precisava na barraquinha do ambulante. E ele começou a fazer gestos urgentes e a falar alto em híndi, apontado pra mim. Achei que ele estava me cobrando mais do que os produtos custavam. “NO, 30 rupees! Only 30 rupees!”, respondia eu. O vendedor pegou o dinheiro e me jogou as coisas, e parecia desesperado. Feliz por conquistar o preço justo, abri um sorriso e me virei para a plataforma. E vi... MEU TREM EM MOVIMENTO, E GANHANDO VELOCIDADE.

Desespero. Comecei a correr que nem um louco na plataforma. O trem já estava rápido. Fosse na CPTM em São Paulo, jamais tentaria pegá-lo. Mas TODA A MINHA VIDA estava naquele trem. Acordei o Usain Bolt em mim e disparei. Já no fim da plataforma, alcancei o último vagão, me alinhei à ultima porta (pelo menos os trens indianos são civilizados o suficiente para mantê-las sempre abertas), e me joguei. Nunca levei a expressão “um salto de fé” tão literalmente.

Consegui embarcar e, ainda com as pernas pra fora do trem, fui ajudado pelos indianos que estavam no trem, vários rindo muito da minha situação. Só aí que percebi: os últimos vagões de cada trem são os da 2nd Class, e estes não possuem passagem para os vagões das classes superiores. Teria, portanto, que esperar a próxima estação, onde eu poderia descer, andar pela plataforma até meu vagão, e embarcar novamente. Já não tinha mais celular àquela altura da viagem, então nem avisar a Mairê eu podia. Por tudo que ela sabia, o mais provável é que eu tivesse ficado na estação mesmo.

O que não tem remédio, remediado está. Achei um cantinho e me espremi entre os mil indianos alim que me olhavam como um ser de outro mundo – acho que nunca um gringo pegou um vagão de segunda classe.


Curtam o olhar de felicidade dos passageiros.


Só visitando a 2nd Class para saber o que é. Não há leitos, só bancos e grades suspensas para bagagens, mas há bagagens nos bancos e pessoas nas grades. E pessoas no chão. E pessoas no corredor. E pessoas sobre pessoas. E crianças sobre pessoas sobre pessoas. E pessoas dormindo no chão entre as portas dos banheiros, sendo que já dá pra sentir o cheiro de longe quando abre-se uma daquelas portas, imagina dali.


O vagão mais vazio da 2nd Class que já vi.

Após uma hora e meia, o trem parou de novo, e eu voltei pro meu vagão. Encontrei uma pequena comoção lá, com a Mairê em meio a uns 5 prestativos indianos, tentando se fazer entender. A coitada já estava pensando no que fazer, depois de razoavelmente assumir que eu não tinha pegado o trem: ela não tinha como falar comigo, e minha bagagem estava acorrentada e trancada por um cadeado cujo código ela não sabia, sem contar que ela não seria nunca capaz de carregar minha bagagem e a dela, e nem sabia como e quando nos encontraríamos em Mumbai (dificilmente eu conseguiria outro trem no mesmo dia).

Tudo acaba bem quando termina bem. E foi bom, uma vingança involuntária pelo perrengue que ela me fez passar, e que também vou contar a vocês.


Don't mess with Mairê. She bites.



Mais perrengues em breve!




quinta-feira, 4 de julho de 2013

Perrengues, parte 01

Então vocês veem as fotos – os sorrisos, as festas, as paisagens de tirar o fôlego, templos, bichos, neve, praia, montanha, deserto, rios, florestas, gente local em seus trajes típicos, comidas... ufa! Parece uma perfeição sem fim. No entanto, a vida de mochileiro também tem seus percalços. Para cada foto maravilhosa e experiência incrível, pode ter certeza que há horas e mais horas de apertos em ônibus hiperlotados, noites em lugares, digamos, menos que confortáveis, dificuldades com a língua, lavagem de roupa no balde, pesquisas infinitas de preços de passagens aéreas, e tudo o mais que torna mochilar uma atividade ainda mais prazerosa por ser desafiadora. Já escrevi sobre a experiência em outro post. No entanto, além dos desconfortos habituais, vez por outra aparece um belo PERRENGUE. Saber lidar com os perrengues é essencial para sua vida de mochileiro – ou você lida bem com isso, ou essa vida não é pra você. E de tudo sai algo bom: estas experiências são sempre compartilhadas nas rodas de viajantes nos bares e praias, e sempre começam com “Sabe aquela vez em que...”.

Mochileiros e seu lado menos glamuroso: olheiras, cochilos de exaustão de cara no banco da frente, e muito mais.


Então, pra ninguém achar que tudo são rosas, SABE AQUELA VEZ EM QUE...



1)    ... eu passei 16 horas de conchinha com um senhor indiano?

Calcutá, Índia. Nosso grupo de 10 amigos, todos voluntários, decidiu passar o Natal em Gangtok e Darjeeling, duas estações de montanha no sopé dos Himalaias no extremo nordeste da Índia. Tomamos essa decisão meio em cima da hora, e descobrimos que todos os trens entre Calcutá e Siliguri (a cidade de onde saem os jipes para as outras duas) estavam lotados. Sim, o país hindu não comemora o Natal, mas a data coincide com os feriados de fim de ano deles, e todos correm para as montanhas. Ou seja, corremos, e conseguimos as últimas vagas em um ônibus.

Fiquei feliz quando soube que o meu lugar era um “sleeper”, um leito suspenso acima dos assentos. Ao entrar no ônibus, porém, começou a decepção:



Notem que eu não caibo nem esticado horizontalmente, nem sentado verticalmente. Eu ainda estava pensando “Potz, vai ser desconfortável passar 16h assim, mas dá pra segurar”, quando aconteceu. Um respeitável senhor indiano e sua família, mulher e dois filhos, entram no ônibus. A mulher e as crianças ocupam um sleeper, e o senhor sobe no meu e anuncia: “parece que vamos dividir esse aqui”. Demorou um pouco até eu sair do choque e perceber que sim, aquilo que não me cabia sozinho eram na verdade DOIS lugares no ônibus.

Em choque


Era isso ou desistir de toda a viagem. Foi isso. Aperta daqui, aperta dali, e a única posição (sério, a única), em que dava pra gente se amontoar naquele espaço era de conchinha. O indiano nem tomou conhecimento do desconforto – super normal pra eles, mas para fim uma noite do inferno. Afinal:

a)  A viagem de 16 horas durou 20;

b) Eu tentava manter distância, e ficava colado no vidro. Era inverno e estávamos subindo as montanhas, e eu ficava com o calor do indiano na barriga e o frio do vidro nas costas, sem cobertor.

c)  Tínhamos (foto abaixo) garrafas de água num suporte aos nossos pés. A estrada era tão miseravelmente acidentada, que o plástico de uma rachou com os solavancos. Quando percebi, estava com os pés e meias encharcados naquele frio de rachar;

d) Meu colega tinha CC e mau hálito, e era um jogo interessante tentar descobrir qual futum era qual;

e) Meu fone de ouvido resolveu quebrar no começo da viagem, então fiquei sem música também;

f) O ônibus, de acordo com os lindos hábitos de trânsito indianos, passava mais tempo buzinando do que não.

No fim, a gente aguenta tudo.




2)   ... eu coloquei até a alma pra fora na descida das montanhas do Nepal?

Pokhara, Nepal. Andar de ônibus no Nepal não é brincadeira de criança. Estradas péssimas com abismos gigantescos ao lado, ônibus pequenos (por causa das estradas estreitas), superlotados e com bagagens no corredor, música nepalesa (o encantamento cultural dura exatas 3 músicas) no último volume durante toda a viagem, solavancos épicos, motoristas maníacos. Um pouquinho de como é no vídeo abaixo:




Depois de 2 semanas a pão-de-ló em Pokhara, o pequeno paraíso perdido à beira do lago e ao pé da cordilheira dos Annapurnas, eu tinha esquecido da dura realidade. E, ao decidir pegar o ônibus de lá para a fronteira com a Índia, dez horas descendo a montanha num ritmo alucinante, esqueci de me preparar convenientemente.

Eu estava, à época, aproveitando a calmaria em Pokhara para me exercitar – corria todo dia no lago, nadava e levantava uns pesos, um ritmo bem forte. Cheguei no hotel cansado da correria, comi uma besteira, e fiquei displicentemente no computador até às 3h da manhã. Às 5h, catei minha mochila de 25kg, e, num surto de avareza, decidi andar os 3km até a estação de ônibus e economizar no táxi.

Ou seja, cheguei para a viagem com o corpo fadigado do dia anterior, sem ter dormido direito, com o esforço físico logo pela manhã e sem comer. Já estava tontinho nessa hora. Por causa do mal-estar, tomei só um copo de leite na estação pra não vomitar.

Como diria Chico Buarque... qual o quê. Imaginem-se neste estado, descendo uma montanha russa por dez horas. Comecei a passar super mal, e lutava com todas as forças para não vomitar. Assim que chegou na primeira parada na estrada, coloquei até o fígado pra fora. Ainda tinha mais 6h pela frente, e só consegui tomar água. Na segunda parada, foi-se a água e mais alguns órgãos. Cheguei perto da fronteira branco que nem um papel, e com a vista escurecendo.

O plano era cruzar a fronteira ainda naquele dia e pegar o trem para Varanasi, mas logo percebi que não ia rolar. Fui cambaleando com a mochila nas costas até o primeiro hotel pé-de-chinelo que achei, e nem negociei a diária. Entrei no quarto e caí na cama de tênis. Não sei se dormi ou desmaiei, sei que acordei 3h mais tarde, já escuro e faltando luz, e simplesmente não consegui me levantar, fiquei parado na cama, aterrorizado. Foi a única vez na minha viagem toda em que eu fiquei com medo de ter alguma coisa realmente séria e estar desamparado no meio do nada.

O hotel que me salvou - peguei a foto da internet porque na hora não tive condições...


Com um pouco mais de tempo, consegui ir lentamente até o restaurante e bebi quanta coca-cola consegui, para ter açúcar rápido alimentando a turbina. Comprei uns sanduíches e fui comendo a conta-gotas para não embrulhar o estômago. Na tarde do dia seguinte eu estava me sentindo bem o suficiente pra retomar a viagem, mas foi um belo susto.


Mais perrengues no próximo post!



sexta-feira, 5 de abril de 2013

Tutiyapalaiyam


A gente se acostuma com tudo. Com todos os pequenos detalhes que são muitas vezes diametralmente diferentes de tudo aquilo em meio ao que você cresceu e aprendeu a achar certo. A gente se acostuma às longas horas de introspecção em ônibus e trens apertados, e a não fazer idéia de onde vai dormir na próxima noite.  A dar uma risada sarcástica ao primeiro preço que te apresentam, mesmo sem saber o preço justo, e a iniciar longas negociações sobre uma diferença de 10 rúpias (~R$0,40). A suportar cada perrengue com um estoicismo espartano.

De vez em quando, porém, a estranheza bate, nos momentos mais prosaicos, quando por um ou outro motivo avaliamos mais friamente nossa situação. Da última vez, isso me aconteceu em uma tarde quente de Abril, enquanto eu sentava na porta (sempre) aberta de um trem, com as pernas pra fora, aproveitando o vento e observando os enormes campos de palmeiras do Sul da Índia correrem diante dos meus olhos. O trem parou em Tutiyapalaiyam, uma vilinha no meio do nada, nos confins do estado de Tamil Nadu, e a estação tinha apenas placas e cartazes em Tamil - nada em inglês. Ali estava ela, de novo comigo, a estranheza. Me dei conta de que estava em um trem entre Kochi e Chennai, a caminho para pegar um vôo para o Sri Lanka - três lugares que nunca planejei concretamente conhecer na vida. E de que tudo ao redor estava escrito e falado numa língua na qual jamais saberei dizer "bom dia". E de que dezenas de pessoas me olhavam com todo o espanto devido (e mais algum) à visão alienígena que era eu neste lugar. E de que eu estava a tantos mundos de distância física, cultural e comportamental daquelas pessoas que nem em um milhão de anos eu seria olhado diferentemente.

A estranheza também traz sua companheira inseparável, a insegurança. O medo. Afinal, também me dei conta de que tinha estado pendendo de um trem em alta velocidade, sem proteção, pela última meia hora. De que não só eu não saberia dizer "bom dia", mas também não saberia dizer "socorro". De que eu estava a milhares de quilômetros das pessoas e lugares que fazem com que eu me sinta seguro e amparado. De que a doença e o infortúnio podem me atingir a qualquer momento.

Tutiyapalaiyam é fundamental na minha vida, pois a estranheza e o medo me obrigam, sempre, a reavaliar o que estou comprando com eles, e se o preço vale a pena. Quatro meses depois de colocar o pé pra fora da soleira de casa rumo à mais longa série de "primeiras vezes" que provavelmente experimentarei na vida, esta é uma reflexão oportuna.

Viajar, e particularmente mochilar, tenho notado, é uma jornada muito mais ao interior de si mesmo do que em direção a cidades e monumentos. É a hora de pôr à prova todas as belas noções sobre você mesmo criadas no conforto da sua cama ou durante um banho quente em seu banheiro com papel higiênico em abundância. É aprender a achar normal o diferente, e a respeitar o profundamente diferente. É conhecer um executivo britânico que se tornou monge Hare Krishna há 15 anos durante uma viagem de turismo, ver sua enorme paz interior e a felicidade brilhando em seus olhos, e compreender que essa decisão faz todo o sentido do mundo pra ele. É ver uma fila quilométrica de peregrinos para tocar uma vaca que nasceu com uma quinta pata deformada e perceber imediatamente quantas coisas em sua própria cultura e religião pareceriam igualmente absurdas para esses mesmos peregrinos.

Mochilar é ser obrigado a se virar fora do domínio das relações pasteurizadas da civilidade ocidental - e a defender seu espaço, seu dinheiro, sua saúde, sua honra e sua vida sozinho, e com todas as armas que possui: com graça, com charme, com inteligência, com resiliência, com malícia, com agressividade e, em casos extremos que não me aconteceram, mas sim a amigos, até com violência. Na minha experiência, é ameaçar com uma surra a um proto-gangster com dureza o bastante para ele não querer pagar pra ver, ou virar a armação de um golpista contra ele próprio e ganhar com isso uma noite de graça num hotel. Ou, ainda, pode ser se submeter a passar 16 horas de conchinha com um respeitável senhor em um minúsculo leito de ônibus. E, também, ao meu ver, saber se desculpar e tentar consertar quando em sua abençoada ignorância você ameaçar o respeitável senhor e dormir de conchinha com o golpista.

Espiritualmente, especialmente na Índia, mochilar é conhecer dezenas de religiões, credos, rituais, e filosofias e reconhecer em cada um lampejos da sua própria verdade. E enxergar, para além do colorido repertório dos buscadores, a Busca que nos une a todos.

Viajar também me ensinou a reconhecer que o universo não dá a mínima pro cancioneiro cuidadosamente martelado dos nossos planos, e que ele é quem dá as grandes peças com as quais montamos o quebra-cabeças das nossas vidas. Reconhecer que podemos montar algo belo, algo tosco ou jogar as peças pra longe, mas que de nada adianta reclamar delas ou desejar que fossem outras. E, entendendo isso, tentar abraçar a serendipidade, construindo propósitos que inspirem em vez de planejamentos que frustrem.

Mochilar é um jeito de voltar a um estágio mais primitivo de vida - todos os dias, a prioridade é achar comida e abrigo, depois transporte e comunicação, tudo dentro do orçamento, e só depois você pensa no que tem de bom pra fazer. E ao nos trazer de volta ao básico, também nos mostra o labirinto de ilusões, irrelevâncias e vaidades que ocupa tanto das nossas vidas cotidianas. E, ao percebê-lo, ver mais tempo em nosso tempo e mais vida em nossa vida. Posso lembrar de praticamente todos os dias dos quatro meses da minha viagem, mas apenas poucos dos dias que formam meus anos de escritório anteriores. Há nisso sinais, e lições, que têm me tocado profundamente.

E, claro, também fazem parte de viajar os momentos sublimes de realização dos seus sonhos e embevecimento com as maravilhas de estar vivo, e do mundo que nos cerca. Impossível descrever meus sentimentos ao ver o nascer do sol nos Himalaias em Darjeeling, ver os raios da alvorada tornarem rosa o Taj Mahal, chorar de pura beleza sob o céu divinamente estrelado do deserto do Rajastão, mergulhar de barriga na neve pela primeira vez, escalar minha primeira montanha, ou voar de paragliding ao lado dos falcões no Nepal. Gratidão, orgulho, saudade, fome de viver, tudo-junto-e-misturado.

Em suma, é certo que viajar me deu mais do mundo, mas, principalmente, me deu mais de mim em mim mesmo. Me sinto mais forte, mais preparado, mais vivo. Acima de tudo, me sinto mais eu. Quando Tutiyapalaiyam me perguntou se valia a pena a estranheza e o desconforto, respondi que sem eles é que não valeria a pena. Quando ela, insistente, me perguntou se valia a pena o medo e a insegurança, descobri que havia achado dentro de mim o significado da genial frase de Pessoa: "os navios estão seguros nos portos, mas não foram feitos pra isso".

A viagem, é claro, não pode durar para sempre, e há quem diga que tudo isso que descrevi é um grande sonho só possível numa realidade paralela, longe da "vida real". Mas penso que talvez seja mesmo este o papel reservado pela Providência ao ato de viajar: tocar nossas almas de uma maneira tão intensa, profunda e indelével,  que a marca e a lembrança do sentimento de vida plena nos impulsionem a buscar a plenitude durante o resto de nossas vidas.

Desejo que cada um tenha sua Tutiyapalaiyam, e que todas elas sejam tão belas quanto a minha.



sexta-feira, 8 de março de 2013

Destino: Agra e o Taj Mahal



Depois de nossa curta passagem pela mística Varanasi, e depois de dizer adeus a alguns de nossos amigos que voltaram diretamente para Kolkata, nosso grupo partiu em direção ao único destino que está presente em toda viagem para a Índia: a cidade de Agra, no estado de Uttar Pradesh, mais conhecida por abirgar um das mais famosas criações humana de todos os tempos: o Taj Mahal. De fato, a fama do monumento é tão grande que poucas pessoas sabem que ele está localizado em Agra antes de virem à Índia, e muito menos que a cidade tem mais a oferecer do que o Taj - o que faz muitas pessoas chegarem lá, tirarem algumas fotos e correrem para Jaipur (para aqueles na rota do Triângulo Dourado) ou de volta à Delhi.

Agra foi fundada em 1501 para ser a capital do do império do Sultão Sikander Lodi. No entanto, a cidade foi conquistada pelo império Mughal em 1526. Ser uma cidade fundamental para o poder do império fez com que Agra florescesse, especialmente durante os reinos dos imperadores Akbar e Shah Jahan. Foi neste período que os principais marcos da cidade, incluindo o Taj, foram construídos.

Chegamos em Agra ao amanhecer, e fomos surpreendidos na própria estação de trem por uma vista impressionante  a estação fica colada na imensa muralha de arenito vermelho do Forte Agra. Passamos pela sempre presente chateação de negociar um preço mais-ou-menos justo com os motoristas de rickshaw, e fomos para nosso hotel, que se chamava Saniya Palace e ficava perto do Portão Sul do complexo do Taj Mahal. Ficamos muito impressionados com a incrível vista para o Taj do restaurante no terraço do hotel, que nos permitiu nosso primeiro olhar para ele.

A vista do terraço

Depois de descansar um pouco, e já que tinham nos dito que a visita ao Taj era muito melhor pela manhã (um bom conselho, aliás), investimos nossa tarde em uma visita ao Forte Agra. O forte foi construído para uso militar pelo imperador Akbar em 1565, mas Shah Jahan o transformou  em um palácio completo com várias adições ao projeto original. Ironicamente, depois de ter sido deposto por seu filho, o forte tornou-se sua prisão pelos últimos oito anos de sua vida, uma prisão de luxo de onde ele podia admirar sua criação, o Taj Mahal, à distância.




O forte é uma construção massiva e impressionante, com altas muralhas e inúmeros pátios, alguns dos quais abrigando jardins, espaço para exercícios militares, salões para audiênciaa públicas ou apenas passeios ricamente decorados.








As modificações de Shah Jahan são facilmente reconhecíveis por serem todas construídas em mármore branco, seu material preferido, em oposição ao arenito vermelho das muralhas e estruturas principais.


MADNESS? This... is... SPARTAAAAA



Parte do sistema de coleta e drenagem de água da chuva

Depois de visitar o forte, fomos dar uma olhada no chamado "Baby Taj". Este pequeno mas bonito mausoléu abriga os restos mortes do avô da princesa Mumtaz Mahal (para quem o Taj foi construído), e dizem que serviu de inspiração para a arquitetura geral do Taj.





Uma vez que tínhamos decidido visitar o Taj apenas pela manhã, nosso motorista nos levou para um pequeno parque localizado do outro lado do rio que corre atrás do Taj Mahal, onde pudemos apreciar uma bonita vista do monumento, juntamente com um belo pôr-do-sol.





Acordamos às 4h00 da manhã e começamos a caminhada gelada entre nosso hotel e o Portão Sul do Taj. Como acontece tão frequentemente na Índia, havia um sistema de segurança lento, burocrático e altamente ineficiente funcionando no local. Tivemos que comprar o caro ingresso em um guichê que ficava relativamente distante da entrada (e claro que não havia placas informando nada aos recém-chegados), e depois esperar longos minutos em uma fila mais longa ainda, até que eles começaram a chamar as pessoas, revistar roupas e bolsas, e liberar o acesso. O problema é: TODO MUNDO sabe que turistas que se dispõem a estar às quatro da matina no portão, enquanto ainda está escuro, estão atrás de uma vista/foto do Taj ao amanhecer, mas os guardas não mexem um dedo para começar os procedimentos de segurança até que esteja totalmente claro. O resultado óbvio dessa equação é que quem está na frente da fila literalmente CORRE que nem louco para conseguir uma boa foto antes que a multidão tome conta do local.

Dito isto, o Taj Mahal é verdadeiramente uma experiência inesquecível. Muita bobagem é dita por mochileiros presunçosos sobre como o lugar é "batido" ou "turistinha", mas quem vai lá raramente saira desapontado.

O Taj foi construído pelo imperador Shah Jahan como um mausoléu em homenagem à sua amada terceira esposa, a princesa Mumtaz Mahal, que morreu durante o parto de um de seus filhos. Os mais renomados arquitetos persas e árabes, assim como artesãos de todo o mundo conhecido foram chamados para produzir esta maravilha, feita quase inteiramente de mármore branco. Ao amanhecer, os raios do sol fazem como que o mármore adquira tons rosas e avermelhados, aumentando ainda mais sua beleza.










Uma pessoa poderia passar todo o dia andando pelos jardins super bem-cuidados, e ainda se impressionar com a calma beleza do lugar. Poderia também passar semanas indo lá todos os dias, dando a volta no Taj e entrando em suas câmaras, e ainda se maravilhar com as paredes esculpidas em mármore, a simetria da arquitetura, a beleza da caligrafia árabe das passagens do Corão gravadas ali, e com tudo o mais. Todo e qualquer pequeno espaço, ainda que aparentemente insignificante, é repleto de beleza, e dá para se notar em cada detalhes como todo o complexo foi cuidadosamente planejado e construído. É realmente um dos maiores, senão o maior, feitos do engenho humano, e é impossível não ficar embasbacado. Aquele imperador REALMENTE amava sua esposa.














Nossa pequena estadia em Agra estava chegando ao fim, e tivemos de correr para o hotel para fazer as malas e ir para a estação pegar nosso trem para Jaipur. Não foi sem uma ponta de tristeza que dissemos adeus ao belo Taj, uma magnífica joia em meio a uma terra de deserto impiedoso. Também nos despedimos de alguns membros do nosso grupo que estavam voltando para Kolkata. Pelo menos teremos esta foto, e todas as memórias incr;iveis de Agra, para guardar com carinho pelos anos vindouros.




Próxima parada: Rajastão!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Destino: Darjeeling, Gangtok



No meio de Dezembro alguém chegou com uma grande idéia: "Vamo passar o Natal em Darjeeling?!". E a gente: "Darjeeling? Que que é isso?". E assim começou nossa jornada ao coração dos Himalaias.

Como eu descobri depois, Darjeeling é uma pequena cidade no topo de uma das montanhas que rodeiam os picos nevados em torno do Kangchenjunga, o terceiro pico mais alto do planeta, somente atrás do Everest e do K2. É a principal cidade de um região de mesmo nome que inclui várias outras pequenas cidades de montanha na parte mais a nordeste do estado de West Bengal, na Índia. Darjeeling é famosa por seus deliciosos chás de alta qualidade, que são exportados para o mundo todo. Pesquisando mais, descobrimos que outro destino bastante interessante ali por perto seria Gangtok, capital do estado de Sikkim, ainda mais para o nordeste, que possui um mix de população, natureza e cultura bem diferente do resto do país.

A primeira dificuldade foi achar transporte até lá. Não há rotas de trem diretas até Darjeeling, mas a maioria das pessoas pega um trem até Siliguri, uma cidade na mesma região, e então contrata um jipe ou compra lugar em um para a viagem de mais ou menos 5 horas entre as montanhas até Darjeeling. O problema, como descobrimos, é que apesar do fato de a imensa maioria dos indianos não comemoraram o Natal, a data cai bem no meio de um feriado de fim-de-ano que eles tem. Muita gente então corre para as cidades de montanha para curtir o frio e o ar puro, bem como no Brasil acontece com Campos do Jordão ou cidades do gênero. Resultado: não havia nenhum lugar nos trens perto das datas que nos convinham, mas poderíamos correr atrás de ônibus. Também não havia vagas em hostels baratos e convenientes pela internet. Para completar, todos os indianos que conhecemos tinham posições EXTREMAS a respeito da nossa viagem: ou diziam que era tranquilaço, podíamos ir lá sem medo que ia ser fácil achar transporte, acomodação e roupas quentes e baratas lá, OU que, se fôssemos sem reservas de hotel/transporte, nós iríamos dormir na rua, ser assassinados ou congelar.

Sem saber direito o que pensar, chegamos num meio-termo: fizemos reservas de um hotelzinho mais ou menos barato para as primeiras duas noites em Gangtok, compramos a passagem de busão, e deixamos a decisão sobre as outras noites para quando chegássemos lá e sentíssemos a situação real. E assim nos pusemos em marcha para o norte!

Julia, Ana, Kawshi and Anahí being pretty on the bus
A viagem de ônibus até lá merece um capítulo à parte na história. Nós havíamos pago um bilhete bem caro, de 1.100 rúpias (um pouco mais de 20 dólares), por um ônibus confortável, com ar-condicionado, para a viagem de (supostamente) 12 horas entre Kolkata e Siliguri. Então descobrimos a dura verdade - na Índia, nada é o que parece. Pra começar, assim que chegamos na parada do ônibus, descobrimos que nosso ônibus havia sido cancelado, e nossas reservas transferidas para outro ônibus, sem banheiro e muito pior, que partiria 2 horas depois. Por alguma razão inexplicável, eles ainda nos cobraram 500 rúpias a MAIS de cada um por essa bela mudança. Depois de alguma agressividade controlada, conseguimos "convencê-los" de que ELES é que nos deviam 500 rúpias. Pegamos o dinheiro de volta e fomos para o ônibus.

Bending leg and neck in my shared bunk
Me, preparing myself for spooning time
Eu, a Anahí (México), a Kawshi (Austrália), Julia (Alemanha) e a Ana Carolina (Brasil) estávamos alocados no mesmo ônibus. Todas as garotas tinha assentos comuns, mas descobri que o meu lugar era um sleeper, uma espécie de cama que é colocada acima das cabeças dos outros passageiros sentados, e onde na teoria se pode deitar confortavelmente e ter uma bela noite de sono no caminho. Fiquei felizão, subi no meu e pensei: "Hmmm, isso aqui é pequeno demais pra mim... Mas tudo bem, me aperto um pouquinho e dá pra encarar". Então, para o meu infinito espanto, um respeitável senhor indiano me informou de que o meu "pequeno" espaço era na verdade para DUAS pessoas, e que eu teria que dividí-lo com ele. Vocês podem ver meu feliz arranjo nas fotos ao lado.

Não satisfeito com fazer eu dormir de conchinha com o senhor indiano, o universo tinha mais para mim. Como podem ver, havia uma espécie de porta-trecos aos nossos pés, que usamos para colocar a água que trouxemos para a viagem. A estrada era tão acidentada, porém, que o plástico de uma das garrafas rompeu, e de repente percebi que meus pés e meias estavam completamente ensopados, em um frio de 5 graus. Só pra salientar como a coisa era pessoal para comigo, meu coleguinha indiano era baixo demais para ser afetado por esse "pequeno" contratempo. Ali eu aprendi que uma das coisas mais importantes da vida são MEIAS SECAS.

Como não poderia deixar de ser, nossa viagem de 12 horas levou 16, mas finalmente chegamos em Siliguri perto do meio-dia. Lá, rapidamente procuramos contratar um jipe para nosso grupinho de 10 pessoas, e logo estávamos na estrada de novo. A partir daí as coisas melhoraram consideravelmente. O smog que cobre quase todas s cidades indianas que visitei foi ficando menos espesso, até desaparecer por completo. As casas e lojas do lado da estrada viraram uma linda floresta, e passamos a ver macacos em toda parte. A estrada ficou mais íngreme, a nos deparamos com vistas lindas de florestas, rios, montanhas e abismos, pontilhados com pequenas vilas e templos.

All the gang
Nosso motorista parou na fronteira dos estados de West bengal e Sikkim, para que pudéssemos pegar nosso permit. O estado de Sikkim era um reino independente até 1975, quando foi incorporado ao país, e até hoje é um território disputado entre a Índia e a China. Por causa disso, todos os estrangeiros que querem entrar no estado precisa obter uma espécie de visto interno, assim como na Caxemira no lado oeste do país. Para nós foi um procedimento bem tranquilo e rapidinho, e logo estávamos a caminho de novo.


Chegamos em Gangtok ao anoitecer, e fomos diretamente ao hotel, e depois procurar o que comer. Estávamos muito cansados e famintos após passar 24 horas sem comer nada além de batatinha, biscoto e chá/água. Nossa felicidade foi infinita quando, contra todas as probabilidades em um lugar tão remoto, encontramos um restaurante com comida ocidental onde nos empanturramos de pizza (indiana, mas ainda assim pizza), macarrão, chocolate quente e outras coisas. Ficamos tão estufados que só conseguimos mesmo voltar pro hotel e desmaiar de sono. No dia seguinte, estávamos prontos para explorar Gangtok.


Incredible view from Gangtok

Por causa de sua história, Sikkim é um estado bem diferente do resto da Índia. Sua população é bem diferente dos outros indianos, já que o estado faz fronteira com a China, o Nepal e o Butão, e tem muitas pessoas com descendência desses países lá. O budismo é a religião prevalente, apesar da presença do hinduísmo. É também considerado o estado mais ambientalmente correto da Índia - sacos plásticos são banidos, e é proibido fumar em todo o território. A cidade é bastante limpa e bem-cuidada, e há latas de lixo em todo lugar (elas são praticamente inexistentes nos outros lugares), as as pessoas praticamente não jogam lixo no chão ou cospem na rua lá.


Ganesh Hindu temple
Shy little boy at the monastery

Tibetan museum and Buddhist temple

Contratamos um carro que nos levou a um bonito templo/museu tibetano, onde aprendemos mais sobre a história do Tibet, e vimos alguns artefatos budistas/tibetanos, tudo bem interessante. Depois fomos em um passeio no bondinho de Gangtok - menos impressionante do que parecia, mas ainda assim interessante poder ver a cidade e o vale de cima. Em seguida, pegamos uma longa estrada morro acima para ver dois monastérios budistas que tinham belas vistas das montanhas, além de serem interessantes eles próprios. No primeiro, havia uma bandeira tibetana hasteada, como podem ver na foto - a Índia abriga o governo tibetano no exílio, que é liderado pelo Dalai Lama, e o direito ao uso da bandeira é assegurado em alguns lugares e edifícios de interese tibetano. Depois dos monastérios, fomo ver o pôr-do-sol em um mirante próximo, que estava lotado de turistas indianos. Assim que nos viram, todos começaram a tirar fotos, especialmente das garotas, e um senhor indiano começou a falar em casar o filho dele com a Ana, nossa diva brasileira. Ela fez o maior sucesso lá, e eu tenho um vídeo com um monte de indianos literalmente fazendo fila para tirar fotos com ela.


Us and Ana's future father-in-law
Being AWESOME at the temple
Buddhist temple flying the Tibetan flag
Gangtok's cable car line
Buddhist prayer rolls

Cute girl and ger dad posing with master Buddha
Silver and turquoise handicraft
À noite visitamos a principal rua do mercado de Gangtok, para comprar souvenirs e coisinhas. Haviam acessórios muito bonitos feitos de prata e turquesa, e outras pedras, e uma multitude de penduricalhos, estatuetas, pinturas e muito mais. Era noite de natal então decidimos fazer um amigo secreto no nosso grupinho. Infelizmente, a Julia estava passando um pouco mal e não pode se juntar a nós, mas ela estava em nossos corações... Fomos para um bar-Karaokê em um hotel próximo, trocamos presentinhos e impressionamos a audiência com nossas performances das pouquíssimas músicas em inglês disponíveis. Por mais que todos vocês fossem amar minha maravilhosa performance de Pinball Wizard, do The Who, felizmente não há evidência registrada dela.


Pimpin' my way with the hoes, like a boss

Sad face after the denied double kiss

Na manhã seguinte, contratamos outro jipe para Darjeeling. Por mais que todos tivessem nos dito sonbre a beleza do lugar, nada me prepararia para ter os maravilhosos picos dos Himalaias me dando bom dia na varanda do nosso quarto de hotel.

The view from our balcony. No words needed.

Gastamos o primeiro dia explorando a cidade e apenas andando, e decidimos fazer uma pequena festa brasileira no hotel. Sabe como é, brasileiros curtem uma festa pesada, e... bem, é suficiente dizer que das 10 pessoas que tinham marcado de ir ver o nascer-do-sol nas Tiger Hills na manhã seguinte, apenas 2 estavam em condições de fazê-lo, meu laptop teve sua tela quebrada por um pé descuidado, e há boatos de que havia um cara molhado e sem camisa na varanda, no frio congelante, por mais de meia hora.

Na manhã seguinte, e com "manhã" quero me referir a algo entre meio-dia e uma da tarde, estávamos prontos para mais travessuras. Nos separamos para atividades diferentes, e eu e mais dois outros fomos ao posto de atendimento de uma empresa de paragliding para checar a disponibilidade de vôos pelo vale, que com certeza ofereceriam uma vista fantástica. Felizmente para o grupo, haviam vários disponíveis. Infelizmente para mim, eu não poderia voar por ser muito grande para o equipamento deles. Mal posso dizer como fiquei chateado - a ideia tinha sido minha... Droga!

Incredible moments are made by incredible people. From back to front: Diego (Brazil), Liz (Costa Rica), Kawshi (Australia), Juanita (Colombia), Fernanda (Brazil) and myself.
The trail to Happy Valley
Depois de acertar o paragliding para alguns, encontramos a maior parte dos outros e resolvemos caminhar até o Happy Valley (Vale Feliz, onde há plantações de chá. A garota que esteve lá mais cedo disse que eles também plantam maconha - talvez o nome venha daí). Começamos a descida da montanha por ruazinhas estreitas e apinhadas, perguntando o caminho para todo mundo, até acharmos a trilha que nos levaria ao campo. Mas nunca chegamos lá. A vista era tão incrível que parávamos a todo instante para fotos, e ao anoitecer ainda estávamos no meio do caminho. Decidimos simplesmente sentar na grama, e ficar lá aproveitando a vista do pôr-do-sol e a companhia uns dos outros, ficando felizes pelos presentes da vida e da natureza.


Livin' the good life.
Basking in sunset's glory
Yeah, the sun was pretty much showing off
Levamos bastante tempo no caminho de volta morro acima, e estávamos bem cansados quando chegamos no centro de Darjeeling de novo. Passeamos mais um pouco e voltamos para o hotel.

Freezing...
Aqueles de nós que não conseguiram ir ver o nascer-do-sol na manhã anterior acordaram às 3 da matina para pegar um jipe às 4 para o topo das Tiger Hills. Estava um frio de rachar, e levamos tanta proteção quanto nossas roupas permitiam, e ainda levamos uns cobertores do hotel para dar uma ajuda. O caminho até lá em cima foi tranquilo e estávamos sonolentos, mas foi só chegarmos e sairmos do jipe para o incrível frio nos acordar, bem acordados. Fomos com o jipe até onde dava, mas ainda tivemos que andar uns 15 minutos até o cume.

Toda a experiência do nascer-do-sol foi desconfortável no começo - estava inacreditavelmente frio e ventoso, e muito lotado de pessoas se empurrando para conseguir o melhor lugar - e em seguida mágico. Acho que é uma boa metáfora para a experiência de Índia com um todo: extremamente difícil e desconcertante, mas cheia de magia e tesouros para aqueles que forem fortes o suficiente para encará-la. Nunca vou esquecer a antecipação crescente enquanto o céu gradualmente clareava, e em seguida algo como uma extrema fascinação e excitação conforme o sol começava a nascer. Foi extremamente lindo, e emocionante. Pessoas começaram a gritar quando o sol apareceu, e o maravilhoso panorama foi se desenhando e se tornando visível para nós. Os picos nevados à distância, os belos vales, as cidades e vilas no pé das montanhas. Foi um momento para guardar para sempre, e imagino como seria maravilhoso viver isso de novo, mas desta vez sozinho e em um humor mais contemplativo. Não espanta que monges de todas as religiões escolham construir seus monastérios nessas regiões - acho que nenhum outro lugar do mundo te dá uma melhor vista das maravilhas de Deus (ou dos deuses...), e uma conexão mais profunda com os mistérios dentro de nós.

People waiting for the show to start
And it starts...

... and reveals amazing things.

Panorama of the situation. Not bad, huh?

Andamos para o jipe, e começamos o caminho de volta. Eu e a Juanita, nossa querida colombiana, descemos do carro no meio do caminho, em um interessante monastério budista, onde encontramos com a Anahí, que estava lá desde cedo. Gastamos o resto da manhã lá, entre orações e monges. Um deles era muito gente voa, e nos levou para um tour privado do lugar - ele nos mostrou a sala onde eles recebem os peregrinos de todas as partes da Índia e do Nepal e lhes dão comida e um lugar pra descansar. Ele também nos mostrou o ritual para nos aproximarmos do Lama do lugar, o mestre espiritual do budismo. O engraçado da situação é que estávamos esperando um velhinho vivido com olhar plácido, mas o Lama era um caroto de uns 16 anos. Depois do espanto, nossos conhecimentos voltaram a nós: enquanto no hinduísmo os gurus são senhores vividos e estudados, no budismo os Lamas são a reincarnação de antigos mestres, e são reconhecidos pelos outros Lamas logo ao nascer. Nosso Lama adolescente nos deu uma benção silenciosa, um cordãozinho vermelho para proteção, e foi isso.

The "oops-forgot-the-name" Monastery

View from the monastery, with prayer flags

Pilgrims in prayer

The monk teaching us how to recite mantra-beads

My little new friend at the monastery

Anahí, Juanita and I
Deixamos o monastérios e andamos morro abaixo por uma hora até o hotel, onde só tivemos tempo de comer alguma coisa, encontrar os outros, arrumar as malas e partir para Siliguri, onde pegaríamos o ônibus de volta para Kolkata. Demos adeus para Darjeeling, jóia dos Himalaias, e pegamos a estrada novamente.

The walk downhill


Farewell, Darjeeling...


Em Siliguri, mais "surpresinhas" com o transporte indiano: nosso ônibus estava agendado para as 6h30 da tarde, mas não chegou em Siliguri até as 10. Para passar o tempo, procuramos algum lugar para sentar e beber alguma coisa, e achamos um lugarzinho com o interessante slogan de "restaurante familiar" embaixo do nome. Entramos, e o bar principal tinha uma iluminação meio estranha, em tons de roxo e rosa. Sentamos lá por um tempo, e começamos a ter a sensação de que não éramos muito bem-quistos no lugar. Então uma das meninas foi ao banheiro e decobriu a verdade - o lugar era uma especie de bordel, e nós tínhamos várias garotas no grupo. Logo pegamos nossas coisas e fomos embora, um pouco desconcertados com o irônico "restaurante familiar".

Nosso ônibus finalmente chegou, e começamos a loga jornada de volta. Dessa vez eu tinha um assento normal, o que era ruim, mas pelo menos não intolerável. Eu estaria bem desconfortável no mesmo assento, se não tivesse passado pela experiência da viagem de ida, mas estava bem contente - tudo na vida é mesmo uma questão de perspectiva... A viagem de retorno durou ainda mais que a outra - umas 20 horas. Em algum ponto da tarde, o ônibus parou abruptamente. A maioria desceu pra ver o que acontecia - um ônibus virou uns 500 metros à frente do nosso, e estava bloqueando a estrada. Felizmente, não havia mortos, mas haviam alguns feridos. Não tínhamos como ajudar, então só esperamos. Achamos que iríamos ficar muito tempo lá, porque viriam ambulâncias, e a polícia, e haveriam fotos, perícia, entrevistas, inquéritos e tudo o mais que haveria com um acidente deste porte no ocidente. Mas a Índia não funciona assim, baby, ah não. Algumas "ambulâncias" (mais para rickshaws brancos) vieram e levaram os feridos. Então, uma centena de indianos simplesmente se aproximaram do ônibus caído, e com as próprias mãos desviraram a bagaça. Com o ônibus em pé, simplesmente empurraram-no para o barranco ao lado da estrada, e foi isso. A estrada estava livre de novo, e segue a vida. Eu estava tão fascinado com a situação que esqueci de tirar fotos, sorry.

Me ocorreu que o ônibus virado poderia facilmente ser o nosso. Enquanto estávamos esperando, conhecemos um britânico que estava em outro ônibus. Ele vem à Índia, e especificamente para West Bengal,  quase todo ano, e tem feito isso pelos últimos 30. Havia uma segunda faixa da rodovia em construção ao lado da nossa. Ele olhou o acidente, e depois para a estrada em construção, e disse: "Pelo menos estão construindo uma outra faixa...". Concordamos. Ele continuou: "E provavelmente será uma boa rodovia... E então eles simplesmente dirigirão ainda mais rápido e mais loucamente. E tudo só vai piorar". Ninguém contra-argumentou.

After more long hours in the bus, we finally reached Kolkata. We went to a Pizza Hut to celebrate the success of our journey and then, tired but happy, went home and back to our "normal" Kolkatan lives.

Depois de muitas mais longas horas no ônibus, finalmente chegamos em Kolkata. Fomos para uma Pizza Hut para celebrar o sucesso da nossa jornada e, cansados mas felizes, fomos para casa e de volta às nossas vidas "nomais" em Kolkata.

Sentirei saudades de Darjeeling, Sikkim e das montanhas.